Vamos chegando que dessa vez a carta aberta é com um dos caras de espirito elevado ao máximo, e uma das figuras musicais que mais impressiona a sua sensatez e audácia nas palavras a atitudes. O Douglas é Vocalista e guitarrista da banda Fusage, e veio soltar o verbo conosco!
História pessoal e na música
"Sou o Douglas, nasci no Mato Grosso do Sul,
me mudei para o Paraná em 2010 e me formei em engenharia civil pela UEM. Depois
de quase dois anos morando na Irlanda eu voltei ao Brasil e formei uma banda.
Pouco antes de lançarmos o primeiro disco decidi sair da engenharia para me
dedicar à música. Hoje trabalho como professor particular de inglês e músico na
Fusage. Acho
que as minhas influências culturais vêm antes de tudo lá de casa, com meus pais
que ouviam discos de música clássica, sertanejo raiz e moda de viola, rock dos
anos 60, 70 e algumas coisas mais aleatórias. Livros sempre foram um incentivo
dentro de casa, mas acho que comecei a ler mesmo quando saí morar sozinho e
filmes era aquela história: baixar na internet discada. Teve um cinema por uma
época, mas era algo bem precário. Cresci numa cidade pequena, tive uma banda no
colégio e a gente chegou a gravar um EP em 2007. Quando vim pra Maringá estudar
me lembro que no final do primeiro ano da faculdade já estava procurando formar
uma banda. O
resto da história vocês podem conferir no documentário Uma forma de seguir do
nosso grande amigo Jean Cedemachi em parceria com o Junior Conejo que aborda um
tema recorrente no nosso meio sobre viver a arte e ser artista independente
além de contar com Stolen Byrds e pedaços da nossa tour juntos."
A vida durante a pandemia
"Como eu citei anteriormente, além da música
hoje trabalho como professor de inglês, então desde o início da quarentena (que
nunca começou de verdade no Brasil) as minhas aulas estão sendo exclusivamente
online. Tem seus pros e contras, como tudo, mas tem sido muito mais pro do que
contra ultimamente. Eu acordo mais cedo, tomo meu café tranquilo, faço minha
rotina matinal e quando dá uns 5 minutinhos antes da aula eu ligo pros alunos,
é uma maravilha. Eu digo isso porque dou várias aulas, uma atrás da outra,
simplesmente conectando outra pessoa na sala virtual, e assim tenho tempo pra
cozinhar, cuidar mais da casa, etc. Todas as incumbências do jovem adulto se
tornaram uma parte mais prazerosa da minha rotina. Por outro lado, tenho pecado
muito no quesito atividades físicas. Nunca fui sedentário, mas ultimamente
acabei cedendo ao comodismo, é algo que preciso corrigir urgentemente. Quando
não estou dando aula, estou produzindo algo pra Fusage ou estudando música,
produção, gravação, mixagem, divulgando, pesquisando. Cuidamos das redes
sociais juntos, os 4, mas de certa forma eu que faço as publicações na maioria
das vezes. Estamos preparando várias coisas pra poder lançar enquanto o Outburst
Desert não pode ser gravado e também lapidando as faixas que vão estar nele.Tivemos
a ação das cartas na qual nós enviamos uma carta pra cada pessoa que mais
interagiu com a banda nos últimos meses. A carta continha instruções e imagens
com o tema do próximo disco e cada um deveria produzir uma colagem cotada para
ser a capa do álbum. Houve alterações de cronograma por conta da pandemia, mas
no final deu tudo certo porque os correios atrasaram pra chegar em alguns
endereços e estendemos o prazo pra galera fazer a colagem. Ainda não escolhemos
a arte que vai ser a capa do disco, mas estamos tendo ideias muito legais pra
usar todas as colagens que foram produzidas, são peças únicas de pessoas que
conhecemos nas turnês, gente que descobriu a Fusage e acompanha nosso trabalho,
tem sido uma experiência sensacional."
Humanidade e os problemas do cotidiano
"'É muito difícil hoje em dia quem consiga
olhar para a humanidade e sentir Humanidade. A gente convive com Fake News já
faz muito tempo, mas uma outra parcela da sociedade, pessoas de várias idades, não
só o típico ‘tiozão do zap’, mas de posições conservadoras no geral; para esse
público essa disseminação de mentiras tem sido o artificio capaz de validar
seus privilégios, preconceitos, atrasos sociais, injustiças, etc., sempre
provocando medo, incentivando o caos, a violência gratuita. Eles tripudiam a
ciência, seja a área que for, se recusam a ter um debate racional e quando
tentam é sempre com discursos vazios, argumentos sem pé nem cabeça, não tem
diálogo. Essa massificação da informação é produto de um modelo político,
econômico e social desequilibrado; fadado ao colapso. Eu
enxergo mais ou menos como o professor Domenico De Masi, no livro O Ócio
Criativo: Ele afirma que os últimos dez anos do século XX foram marcados pela
forte atuação do liberalismo e o discurso amplamente propagado por essa frente que
ataca tudo o que é público. Primeiro sucateando os serviços e infraestrutura e
em seguida inflamando críticas para desvalorizar empresas estatais no geral, áreas
de transporte, ensino, comunicação, eletricidade, recentemente até mesmo os
recursos hídricos. Se valendo dessa estratégia, a elite nos vende as
privatizações principalmente dos setores mais lucrativos da economia e
geralmente necessidades básicas do povo. Compram empresas estatais e vencem
licitações de concessão de serviços por um preço muito a baixo do mercado e
ainda obtém investimentos do próprio governo em forma de incentivos fiscais,
financiamentos a perder de vista, concessões de décadas e mais décadas, enfim,
só vantagens. A
gente vive isso com a empresa de transporte público de Maringá, numa menor
escala, mas população toda sabe, e é um puta atraso. No fim das contas ainda
existe o discurso de se investir nas grandes empresas privatizadas para gerar
mais empregos e aquecer a economia e por melhores que pareçam os resultados,
eles são pontuais, não há solução permanente enquanto insistirmos num modelo
desequilibrado. As crises voltam e tendem a se tornar mais recorrentes,
desemprego, fome, violência, enfim um abismo socioeconômico que impacta na vida
em todas as suas áreas. O
ponto é que nós estamos vivendo e tendo experiências constantes de demonstrações
de que as coisas precisam mudar. Quando a gente pensa na luta feminista, na
luta contra o racismo, na luta LGBTQ+ e tantas outras mais frentes que só
exigem respeito, dignidade e iguais condições, nos parece que tudo isso é
recente, mas não é. As questões sociais que já clamam respostas e mudanças há
décadas, mas agora estão tendo uma maior exposição e visibilidade
principalmente nos últimos meses por conta da condição atual em que estamos
isolados fisicamente, mas unidos pelos meios de comunicação. Nesse sentido eu
penso que estamos vivendo transições importantes, mas de processos muito
antigos e que levam um certo tempo para se estabelecerem. Numa escada de longo
prazo talvez estejamos vivendo o começo da mudança positiva em muitos setores,
mas dificilmente viveremos para ver o mundo ideal."
Recado do Douglas vocalista da Fusage/ Douglas do cotidiano
"Acho que não há separação entre o Douglas
da Fusage e o do cotidiano, mas há uma diferenciação. O primeiro atua em um
projeto com outras pessoas para expressar e discutir tanto o que ele pensa e
sente quanto o que pensam e sentem os seus irmãos de banda e contribuir de
todas as formas possíveis por meio dessa ferramenta para ajudar/entreter/melhorar/acalentar
a vida das pessoas que a gente atingir. O segundo é uma pessoa normal dentro
das suas esquisitices que procura lidar da forma que pode com essa vida maluca
que a gente compartilha aqui no planeta Terra. O
recado ao mundo é simples. Que tenhamos mais compaixão pelos nossos semelhantes
e por nós mesmos, que tenhamos mais tempo para ficar em silêncio e simplesmente
ouvir. Eu espero que cada um de nós encontre a paz de espírito e serenidade ao
enxergar a vida como uma oportunidade de evolução espiritual em todos os seus
momentos."
Nenhum comentário:
Postar um comentário